Para românticos de qualquer tempo


A ideia de um livro desencadeando uma onda de suicídios pode parecer um tanto inusitada nos dias de hoje. Principalmente quando, ao folhear as primeiras páginas deste livro, se constata que se trata de um livro perfeitamente normal: Temos um rapaz, um tanto empolgado demais com a vida no campo, que se apaixona por uma moça. A moça, por sua vez, está comprometida com outro rapaz, e eles não podem ficar juntos. Normal, não?

Ah, meu caro leitor...aí é que está a questão. Se você, ao folhear as primeiras páginas de Os Sofrimentos do Jovem Werther, enxergar apenas isso, este livro definitivamente não é para você. Você, provavelmente, jamais compreenderá o que se passava na cabeça dos jovens que, entorpecidos com os sofrimentos de Werther (e certamente pelos seus próprios, avivados com a obra) vestiram-se de casaca azul com colete e calças amarelos e puseram termo a própria vida ao fim da leitura do romance.

Werther é um rapaz intenso. Ele ama os campos, os pássaros, a poesia e a simplicidade da vida. Ele é aquele tipo de pessoa que caminha durante horas e mais horas todos os dias só para contemplar um belo pôr do sol durante alguns minutos. Que se comove ao observar crianças brincando na praça. Que se indigna face a injustiça. E que, se defende uma ideia em um discussão, o faz com paixão; com a ferocidade e determinação de quem duela para se salvar de um naufrágio.

E quando alguém que vive com esse grau de entrega e profundidade se apaixona…. Prepare- se para alguns dos mais belos depoimentos de amor que você lerá na vida. É lindo, lindo, lindo.
“Às vezes não consigo compreender como outro pode amá-la, ousa amá-la, uma vez que a amo tão unicamente, tão profundamente, tão perfeitamente; uma vez que nada conheço, nada sei e nada tenho, além dela”. (p.112)
Como o livro é todo escrito em formato epistolar (tratam-se dos relatos de Werther ao seu melhor amigo Willhelm, escritos quase que diariamente, sobre sua vida no pequeno povoado de Wahlheim), é possível apreender cada nuance dos sentimentos do protagonista e testemunhar, passo a passo, como aquele jovem sensível e encantador vai aos poucos se perdendo.

O arrebatamento de se estar apaixonado, o desalento ante a indiferença, os sentimentos hiperbólicos perante fatos mínimos e, é claro, os desesperos do coração partido que subjugam a razão. Está tudo lá, como um raio X do coração enamorado. Goethe é absolutamente magnífico em seu retrato, e muito disto se deve ao fato de que o romance é, em larga medida, auto-biográfico: Werther é, confessadamente, seu alter-ego, a fuga que sua razão encontrou para não sucumbir ao mesmo fim que a personagem, diante de seu amor proibido por Charlotte Buff (pois é, nem o nome da moça ele trocou).

Porque Werther, meus amigos, sofre. E quando digo sofrer, é sofrer mesmo. Você vai ficar com tanta, mais tanta pena que vai sentir vontade de entrar no livro só para dar um abraço nele.



O autor faz, além disso, uma ácida crítica à aristocracia, e as digressões sobre a natureza humana que se encontram entremeadas nas cartas são um espetáculo à parte, não merecendo passar despercebidas nem ao leitor mais desatento.
“Se me perguntar como é a gente daqui, direi: como a de todo lugar. Coisa bem uniforme, a espécie humana. A maioria gasta grande parte do seu tempo trabalhando para viver, e o pouco que lhe resta pesa-lhe de tal modo que procura todos os meios para desfazer-se desse tempo livre. Oh, destino dos homens!” (p. 18)
Notável também como os ventos do mal do século, pelos quais flutuariam Byron, Álvares de Azevedo e tantos outros, começam a soprar aqui: Em um tempo dominado pelo racionalismo Iluminista, Goethe publica um livro focado no amor e no sentimentalismo. Um livro que instantaneamente liberta todos os corações aprisionados pela lógica e pelo formalismo, permitindo-os dar vazão a todo seu lirismo e sensibilidade, e, ao fazer isso, inaugura o que ficou conhecido como Stum und Drang (Tempestade e Ímpeto), movimento que inicia o Romantismo.

É certo que muitos hoje em dia acharão o protagonista bobo e mais ainda os jovens que, sob seu exemplo, se suicidaram. Mas, certamente, aqueles que ainda cultivam dentro de si alguma esfera de sensibilidade compreenderão Werther. Mesmo porque, quem nunca se viu despedaçado por um amor não correspondido? Quem nunca, tomado de amor, passou a ver só a beleza da vida ou a exagerar tudo aquilo que vê ou sente?

Ainda que não seja seu estilo de livro habitual, a obra se auto-recomenda por sua assombrosa importância histórica: Escrito em apenas 4 semanas, o primeiro romance de Goethe (que tinha apenas 24 anos na época) é considerado por críticos e estudiosos como a primeira obra marcante da literatura alemã e assinala o início da prosa moderna.

Até hoje na lista dos cem livros mais lidos da História, Os Sofrimentos do Jovem Werther é considerado também o primeiro dos best-sellers e, tal qual os atuais ícones da cultura pop, causou um alvoroço nunca antes visto: Os jovens se reuniam em grupos para fazer a leitura dramática da obra e discutir sua força poética, vestiam-se como Werther, comportavam-se como Werther (suicidavam-se como Werther!*), e o próprio Napoleão confessou a Goethe ter lido o romance sete vezes.

É uma leitura marcante, deleitante, tão intensa que chega a ser sufocante em certos momentos. É Romantismo na sua melhor e mais genuína forma.


*Em razão da onda de suicídios que a obra desencadeou, foi cunhado um termo Wertherfieber, ou Efeito Werther, utilizado na psicologia até hoje para designar os suicídios imitativos.

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