Pelas ruas 'desertas' da Cidade da Bahia

Quem mora em Salvador e passa pela região do Comércio certamente tem a impressão de que se trata de uma região desabitada, cuja atividade está restrita ao movimento dos bancos e escritórios, durante o dia, e, mais recentemente, das faculdades, durante a noite.

Ao ler "Capitães da Areia", a cegueira seletiva, típica dos grandes centros urbanos, vai abaixo - há gente vivendo alí. E essa gente é uma gente miserável, faminta, lutando desesperadamente para existir.

Entenda bem, eles não querem sobreviver apenas; eles querem existir.

Talvez a maior lição deixada por Jorge Amado neste romance seja esta - a de que as pessoas em situação de miséria, tais como todas as outras, tem sonhos e necessidade de significar o seu lugar no mundo. E em nome desse desejo, do conceito que elaborem sobre si e sobre os outros, elas podem renunciar até mesmo à garantia do teto e do pão (síntese maios disto é a história de Sem-Pernas).

O certo é que a maior dádiva dos Capitães da Areia era a liberdade. Uma liberdade muitas vezes perniciosa, que alterna no leitor as sensações de compaixão, por aquelas crianças abandonadas e sem chance alguma de ter uma vida diferente, e de repugnância, afinal já desde novos cometem atos atrozes e levam uma vida desregrada. Serão ainda crianças ou já se tornaram adultos faz tempo?

Não dá para ter certeza o tempo inteiro se você ama ou odeia os Capitães da Areia. Mas não são todas as crianças de ruas assim? Amadurecidas precocemente, endurecidas pelo sofrimento, mas ainda assim com uma inocência escondida, um quê de carência afetiva que chora por detrás das camadas de malícia. Você sente pena e deseja levá-las para casa e cuidar delas; no segundo seguinte lhe roubam e você lhes deseja a mais violenta das mortes.

Longe de romantizar a pobreza e tornar coitados pequenos bandido, como alguns o acusam, Jorge Amado nos convida a enxergar essas crianças. A mim, posso garantir, ele tocou. Enquanto caminho nas ruas do Comércio, imagino Pedro Bala e seus seguidores correndo para o cais. Se o dia está claro e a frente do Elevador movimentada, não consigo parar de pensar em Professor; se teria ele pintado um quadro como aquele. E claro, sei que essas crianças são reais. Sei que elas vivem. E sei que tudo que elas mais querem é a chance de existir.

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