A incontrolável História de nós mesmos


Em As Memórias do Livro, a autora Geraldine Brooks[1] nos leva em um passeio por diversos cenários e períodos históricos, narrando, através do ponto de vista de uma restauradora de livros, como foi possível que um manuscrito raríssimo (e em diversos momentos proibido) sobreviveu aos séculos.


O que é arrebatador na trama, no entanto, não é a adrenalina do roubo do manuscrito de uma biblioteca nazista ou o drama da Inquisição espanhola. São as pessoas. As pessoas comuns, feito eu e você, que pelo ‘simples’ fato de viverem – e ao fazê-lo se apaixonarem pelas coisas – vão dando contorno ao mundo.


Se existe um livro ricamente adornado por iluminuras datado de uma época em que era proibida toda e qualquer forma de ilustração, este não é um feito do acaso. Alguém, alguém que amava verdadeiramente a arte, renunciou a todo o seu universo e arriscou a sua própria vida para torna-lo real. Essa pessoa comprou tinta escondida, desenhou escondida e, quando pronto seu trabalho, conviveu com a frustação de ser a única plateia de sua obra-prima.


Mas, se não iria poder mostrar o livro, por que fazê-lo? Aí é que está o ponto: Pelo prazer de fazer. A vida das pessoas não é feita da busca constante por feitos grandiosos. Da Vinci não pintou a Monalisa pensando “vou mudar a História da Arte”, Shakespare não compôs suas peças pensando “serei o maior poeta de todos os tempos” e Fleming, definitivamente, não estava tentando inventar a penicilina. Talvez estivessem apenas entediados, tentando passar o tempo. Ou mesmo sofrendo de amor por uma bela mulher.


As pessoas simplesmente vivem e é nesse viver, na soma de pequenos atos de coragem, de rebeldia e, sobretudo, de amor pelo que quer que seja, que a História é feita. Tentar compreendê-la olhando apenas os grandes gestos e batalhas é reduzir a complexidade das coisas e, sobretudo, furtar-se o deslumbramento de descobrir (e se permitir) um cotidiano que ecoa na eternidade.


[1] Geraldine Brooks é uma escritora e jornalista australiana. Após a publicação de diversos romances, em sua vasta maioria de cunho histórico, venceu o Pulitzer de Ficção em 2006.

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